MÚSICA

 

  • Os cubanos estão em alta

    Poucos países no mundo têm o privilégio de ter uma riqueza melódica e uma variedade tão grande de ritmos como Cuba. A ilha é uma usina sonora há muito tempo. Foi lá que nasceu o bolero, o mambo, a guajira, o chachachá e o son, ritmo que deu a base principal para o que hoje é a salsa. É inegável também que atualmente a música cubana vive um boom, fazendo sucesso no mundo todo, e abrindo espaço para a música de outros países de língua espanhola. Mas essa não é a primeira vez que a sonoridade da ilha ganha destaque mundial.

    Histórico
    A tradição musical cubana se fez presente nas paradas de sucessos dos Estados Unidos pela primeira vez nas décadas de quarenta e cinqüenta. O responsável pela façanha foi o maestro Pérez Prado com sua orquestra, que depois rumou ao México, sendo seguido pelos cantores Beny Moré, Bola de Nieve e Olga Guillot, entre outros, tocando muito bolero, mambo e chachachá. O diretor de cinema Arne Glimcher imortalizou esse período no filme “Os Reis do Mambo” (The Mambo Kings), com o ator Antonio Banderas. O bloqueio econômico imposto pelo governo dos Estados Unidos, no início dos anos sessenta, pouco tempo depois da Revolução de Che Guevara e Fidel Castro, além do crescimento e da expansão do rock, fizeram com que a música cubana perdesse sua força no cenário internacional. Mesmo assim, internamente, Cuba conseguiu produzir o movimento da Nova Trova, que resgatou a importância do violão e a forte tradição trovadoresca do país. Isso sem falar no desenvolvimento do latin jazz, considerado um dos melhores do mundo, com Chucho Valdés e o seu Irakere, acompanhado do trompetista Arturo Sandoval e do saxofonista Paquito D`Rivera.

    O Redescobrimento
    Essa redescoberta atual da música cubana se deve em muito ao guitarrista Ry Cooder, que produziu o CD do Buena Vista Social Club, além de ter sugerido ao cineasta Wim Wenders a realização de um documentário sobre o grupo. O sucesso mundial do filme, que chegou a ser indicado para o Oscar, foi a melhor propaganda que poderia ser feita sobre a música cubana. O grande mérito do grupo Buena Vista Social Club é reunir jovens como Juan de Marcos González, uma revelação, com velhos músicos cubanos como Ibrahim Ferrer, Rubén González e Compay Segundo. A gravadora Warner foi a responsável pelo lançamento do Buena Vista no Brasil, abrindo espaço para outros músicos. No mesmo pacote encontramos os CDs “A Toda Cuba le Gusta” do Afro-Cuban All Stars, “Tíbiri Tábara” com Sierra Maestra, “Introducing...” de Rubén González e “Lo Mejor de la Vida” de Compay Segundo. Esse último resgata a carreira de um músico de 92 anos de idade, em plena atividade artística, e que ainda faz planos para quando completar os 115 anos, como a sua avó. Compay Segundo, nome artístico de Máximo Francisco Repilado Muñoz, é um dos últimos representantes da velha guarda da música de Cuba. Sua interpretação dos sones e dos boleros nos mostra como era a arte de cantar nas primeiras décadas deste século. No CD merece destaque o poema "Son de Negros en Cuba", do poeta espanhol Federico García Lorca, musicado pelo próprio cantor.

    Heineken again

    No ano passado o Buena Vista Social Club encantou o público brasileiro no Heineken Concerts, com a sua belíssima apresentação. Este ano, aproveitando a trilha aberta pelo BV, foi a vez do brilho do pianista Ernán López-Nussa, que se apresentou ao lado de Tata Güines, quem aos setenta anos é um dos mestres da percussão cubana, e da jovem Haydeé Milanés, de 19 anos, filha do compositor e cantor Pablo Milanés, um dos responsáveis pela Nova Trova e o autor de "Yolanda", música que fez sucesso na voz de Chico Buarque de Holanda. Por falar em Nova Trova, López-Nussa já havia visitado o Brasil em uma excursão de Silvio Rodríguez, outro importante novo-trovador. Neste último Heineken Concerts as pessoas assistiram um espetáculo da melhor fusion entre o jazz e a música cubana, seguindo a melhor tradição pianística de Chucho Valdés.

    A eterna rainha

    Por mais que surjam novos talentos na música cubana, a simpática e cativante Celia Cruz tem seu reinado garantido. Ela sempre será a Rainha da Salsa. Isso a pesar de ela própria afirmar que "a salsa, enquanto ritmo não existe; salsa é o nome comercial que colocaram na música de Cuba". Para Celia na "salsa estão agrupados o mambo, a guaracha, o chachachá, a rumba e o guaguancó. Todos esses ritmos fazem parte da música cubana". Concepções estético-musicais à parte, o fato é que quando a música dessa senhora de 75 anos invade as pistas das discotecas é o melhor convite para dançar. Refugiada desde 1961 na cidade de Miami, nos Estados Unidos, não pretende voltar ao seu país enquanto Fidel Castro estiver no poder. Célia Cruz também já atuou no cinema. Teve uma pequena participação como atriz em “Os Reis do Mambo” (The Mambo Kings), de Arne Glimcher, além de interpretar três músicas da trilha sonora. Antes disso já havia gravado, em 1987, a música “Loco de amor” com o Talking Heads David Byrne para o filme “Totalmente Selvagem” (Something Wild). Atualmente, no mercado brasileiro, é fácil encontrar os CDs "Mi vida es cantar" e "Duets", lançados pela Universal.

    Entrando de carona

    No caminho aberto pelo Buena Vista Social Club, tanto o CD como o documentário, despertaram o interesse do brasileiro pelo som que é feito em Cuba. Isso possibilitou que outras gravadoras lançassem CDs de música cubana feita por artistas de outras etnias. É o caso da Stern's Music com os CDs "Trovador" e "Tierra tradicional", do Africando, um trio de músicos senegaleses. Formado por Papa Serigne Seck, Medoune Diallo e Nicholas Menhein, o grupo faz uma agradável e dançante mistura de salsa com pop africano, resultando numa síntese digna da world music. As músicas são interpretadas em wolof, um dialeto senegalês. Em uma linha totalmente oposta, valendo somente pela curiosidade, temos o CD "Imaginary Cuba: Deconstructing Havana", do produtor Bill Laswell e distribuído pela BMG Classics. Nesse disco Laswell coletou uma série de gravações pelas ruas e becos de Havana e retrabalhou-as no estúdio em infinitas mixagens e masterizações. Enfim, não deixa de ser mais uma das muitas faces dessa rica música que, no dizer de Ry Cooder, em Cuba "flui como um rio, tomando conta de você e lhe virando do avesso". Wim Wenders que o diga.

    Texto publicado originalmente na revista Shopping Music, maio de 2000, pp. 52/3.