MÚSICA

 

  • Jorge Aragão: Cada vez mais Jorge

    Antigamente, quando um cantor ou compositor fazia sucesso diziam que ele havia estourado no Norte. Como compositor ele foi um pouquinho além, chegando até a tocar em Marte, quando a música “Coisinha do pai” despertou o robô Sojourner que andava pesquisando o solo do planeta vermelho. Como cantor sim, estourou no Norte, começando por Manaus e dominando todo o Brasil. O percurso de Jorge Aragão fez dele um dos melhores e maiores sambistas brasileiros, principalmente depois do sucesso obtido com os dois CDs gravados ao vivo e lançados pela Indie Records. Jorge foi um dos fundadores do Fundo de Quintal, que já deixou seu nome gravado entre os grandes grupos de samba do País. Em termos de vendagem já atingiu também a invejável marca de um milhão e meio de discos vendidos. No ano passado ganhou o Troféu Imprensa como melhor cantor, tendo sido escolhido pelo júri por unanimidade. Agora o CD Todas, o décimo-quarto de sua carreira, sai para as loja com 250 mil cópias vendidas, o que já lhe garante um disco de platina. Tudo indica que Todas seguirá o mesmo caminho dos seus trabalhos anteriores. Faixas para hits não faltam, a começar por “Doce Amizade” que abre o disco e foi a primeira a ir para as rádios. Há também as regravações de “Você Abusou”, da dupla baiana Antônio Carlos e Jocafi, uma das músicas brasileiras mais cantadas no Exterior, e “História do Brasil”, uma composição do próprio Jorge feita quando morreu o presidente Tancredo Neves, e antes lançada por Ney Matogrosso. Isso sem contar com o pot-pourri instrumental com canções de Waldir Azevedo, o mesmo de “Ave Maria”. Confira a entrevista exclusiva de Jorge Aragão para a revista Churrasco & Churrascarias.

    CHURRASCO & CHURRASCARIAS - Atualmente Jorge Aragão é um cantor e compositor conhecido e reconhecido pela mídia, chegando à marca de 1,5 milhão de discos vendidos. Como você vê o sucesso chegando depois de mais de vinte anos de estrada?

    JORGE ARAGÃO – Costumo dizer que isso depende muito de como se usa a palavra sucesso. Para mim sucesso é uma música como “Coisinha do pai”, sucesso são músicas como “Vou festejar”, “Globeleza”, “Malandro”, “Enredo do meu samba” ou “É logo agora”. Sucesso é o que sempre experimentei na minha vida, sem que tivesse sido o intérprete. Por isso, não posso negar que sempre convivi com o sucesso. Eu estaria renegando tudo que aconteceu comigo se dissesse que nunca vivi com ele ao meu lado. Esse que estou tendo agora é de uma maneira diferenciada das outras, bem mais difícil de lidar, mas eu consigo ir levando...

    C & C - O que você acha desses novos grupos de pagode que misturam samba com um pop meloso?

    J.A. – Acho que nenhum deles deveria sumir do mercado. Tem um ditado que mais ou menos fala sobre isso: “Não importa o meio ou a forma, o negócio é chegar aonde se quer”, quer dizer, no caso desses meninos sempre foi uma maneira de colocarem o samba do jeito que eles viram. Há que se atentar também para um detalhe: na maioria das vezes não são eles que escolhem esse repertório e misturam com música sertaneja. Isso normalmente sai de dentro das cabeças pensantes das gravadoras. Acho que não podemos esquecer isso, senão a gente estará deturpando a atitude de todo o mundo. É uma maneira de se tentar fazer um trabalho também honesto.

    C & C - Alguns críticos consideram você o Chico Buarque do samba. O que você acha disso?

    J.A. – Uma idéia como essa está totalmente fora... Não há como se chegar a uma fórmula de como Chico Buarque faz música. Só é difícil para ele tocar uma música dele lá em Marte. Isso é difícil (risos). Eu nunca vou conseguir encostar nesse rapaz, nunca. Adoro o Chico, aliás sou fã.

    C & C - Você fez parte do grupo Fundo de Quintal. O que representou para a sua carreira ter participado desse grupo?

    J.A. – É um orgulho que eu tenho. Gosto de falar que sou um dos fundadores do Fundo de Quintal, tanto quanto gosto de dizer que já passei a marca de um milhão de discos, tem o mesmo efeito para mim. É um marco, faz parte da minha história. Falo de boca cheia: eu também sou Fundo de Quintal.

    C & C - O seu samba é considerado uma música de raiz, que respeita as suas origens. Na sua opinião, hoje em dia, quem mais no Brasil segue essa mesma linha artística?

    J.A. – Primeiro quero dizer uma coisa: não me sinto uma pessoa que faz samba de raiz. Minha formação não é de sambista. Minha formação é de baile, de seresta, de bossa nova e de músicas orquestradas. Até porque, me lembro muito bem, na época em que nós ainda estávamos no Fundo de Quintal, também éramos vistos pela velha guarda como gente que não fazia samba tradicional, o samba de raiz.

    C & C – Mas o samba que você faz é diferente dos novos grupos de pagode?

    J.A. - Claro, como sou mais velho que esses meninos, a leitura que tenho ainda é daquelas coisas que falei: as serestas, como também o samba-enredo, samba de quadra, de batalhar o samba para desfilar na escola.

    C & C – Que tipo de samba que você gosta de fazer?

    J.A. - Gosto de um samba em que se possa rebuscar bastante a melodia e a harmonia. Como passei pela bossa nova, trabalho muito com os acordes invertidos, isso dá uma sonoridade boa para um samba. A única coisa que tenho que pode se dizer de raiz, é que respeito a tônica do samba, que é a pulsação do surdo. Ele não pode vir embaçado ou mascarado, maquiado com a leveza do tantã e do repique de anel. O surdo é o surdo que tem que aparecer muito. É sete cordas e tem que ser sete cordas, não pode estar misturado com contrabaixo ou misturado com seis cordas.

    C & C – Em Todas você conseguiu fazer um disco como queria?

    J.A. - Graças a Deus a gravadora Indie Records me deu condições para que eu pudesse fazer essa leitura. Então consegui colocar o sete cordas no lugar e o surdo da maneira como sempre pensei fazer.

    C & C - Como o carioca Jorge Aragão vê o samba de São Paulo? Você concorda com Vinícius de Moraes que “São Paulo é o túmulo do samba” ou a tradição de Adoniran Barbosa é mais forte?

    J.A. – Só posso dizer que venho para São Paulo para aprender, para ter subsídios para cantar e fazer samba. Nunca vi o samba como uma coisa bairrista, não consigo ver o samba recortado. Você falou de Rio e São Paulo, mas onde o meu trabalho primeiramente apareceu foi em Manaus e depois foi descendo. Hoje, em Manaus, tenho que me apresentar em um sambódromo para ter espaço suficiente para as pessoas cantarem comigo. Em Recife, a última vez, foram 48 mil pagantes. É coisa de futebol, não para um show de samba. Me recuso a acreditar nessa frase. E se foi dita, foi algo infeliz na época. Sei do carinho dos paulistas com o trabalho da gente. Venho aqui para aprender mesmo, pois posso passar a noite cantando músicas que aprendi aqui.

    C & C - Depois do sucesso em dose dupla do Ao Vivo, o que os seus fãs podem esperam do CD Todas?

    J.A. – Vou continuar fazendo música como sempre fiz. Não vou mudar ou querer inventar porque cheguei à venda de um milhão de cópias, nem é por isso que tenho que mudar a minha maneira de ser. Acho que as pessoas só podem esperar de mim de eu seja cada vez mais Jorge e menos Jorge Aragão.

    Publicado originalmente na revista Churrasco & Churrascarias.