MÚSICA

 

  • O retrato do artista quando coisa

    Carioca do Estácio, Luiz Melodia teve sempre como sua marca a rebeldia e a criatividade. Para comprovar, ouça “Juventude Transviada”, um dos seus principais sucessos. Isso lhe valeu nos anos setenta, no início de sua carreira, o rótulo de ser um artista marginal. Hoje faz questão de mostrar que essa rotulagem era coisa da imprensa. Para ele, tanto hoje como ontem, o que importa é fazer o seu trabalho com seriedade e sinceridade. Mas a rebeldia continua. Basta ver a capa do seu novo disco, Retrato do artista quando coisa, lançado pela Indie Records, no qual posa completamente nu, como se fosse um selvagem. Quanto a sua música, continua, como sempre, trazendo a marca da qualidade. Confira o que pensa esse vascaíno em entrevista exclusiva dada para a Churrasco & Churrascarias.

    CHURRASCO & CHURRASCARIAS - Você é considerado um artista marginal por uma parte da crítica. Mas, o que é ser um artista marginal no Brasil?
    LUIZ MELODIA - Para mim é difícil responder. Essa coisa de marginal é, na verdade, imposta por jornalistas. Isso aconteceu nos anos setenta, quando estava começando minha carreira, me opondo à imposição das gravadoras de fazer certas coisas que não eram do nosso porte. Não era cabível com a música que fazia e faço, por isso essa idéia de marginal. Esse rótulo aconteceu, mas é coisa que agora não se fala.
    C & C - Atualmente encontramos o rádio e a televisão dominados pelo pagode, o sertanejo e até o funk diluído. O que você acha dessa música que boa parte dos artistas estão fazendo?
    L. M. - Eu sempre fui muito sincero e muito honesto com o que faço. Se reclamam ou retrucam com relação ao nível do pagode, acho que as pessoas têm que reclamar com os que fazem. Quem tem que dar a satisfação maior são as gravadoras que fazem essas pessoas, ou melhor, que manipulam essas pessoas. Pouco tenho que falar, porque sou simplesmente um ouvinte. E isso porque passo na rua e ouço, mas não que eu tenha em minha casa. Lá só entram coisas de qualidade, só tenho discos de qualidade.
    C & C - Você participou, na década de setenta, do festival Abertura, da Rede Globo, com a música “Ébano”. Naquela época a música tinha mais qualidade do que hoje, como muitos dizem, ou esse é um papo de saudosistas?
    L. M. - Acredito que nós sempre tivemos música de qualidade e sempre teremos. Só que é muito mais fácil você lidar e expor a porcaria do que dar atenção e fortificar a qualidade. Você vê o tanto de coisas ruins que a gente ouve no dia-a-dia? Isso, logicamente, dificulta e inibe as pessoas que têm um trabalho digno e interessante para mostrar. O bom trabalho é sempre difícil de ser manuseado, pode-se dizer assim.
    C & C - Você gravou a música “Juventude Transviada”. Hoje em dia, na sua opinião, a juventude continua transviada ou está conformada?
    L. M. - A juventude sempre será transviada. De qualquer forma ou em qualquer geração ela sempre será transviada, sempre terá ou seus altos e baixos, as suas exigências e o seu inconformismo. A juventude sempre será uma juventude transviada.
    C & C - Você está lançando Retrato do artista quando coisa. Brincando um pouco com o nome do seu disco: quando o artista é coisa?
    L. M.
    - Acho que o artista é sempre coisa. Principalmente quando é muito conhecido, pois torna-se coisa na mão dos que o admiram. Mas é uma coisa positiva. Quando digo, por exemplo, “retrato do artista quando coisa” é o conteúdo do meu disco, todas essas músicas que acho interessantes e belas.
    C & C – O que esse novo disco acrescenta à sua carreira que já conta com onze discos?
    L. M. - Me acrescenta muito, pois estive muito presente nele. Fiz arranjos, além de participar como produtor junto com o Pedrinho Santana, coisa que nunca tinha feito. Para mim é um disco muito importante. Espero que seja sucesso em relação à vendagem, logicamente não vou dizer que não. Mas também quero que as pessoas ouçam e curtam.
    C & C - Antes de falarmos sobre as músicas do CD, acho interessante você ter musicado um poema do Manoel de Barros, que dá título ao disco. Ele é um grande poeta brasileiro, mas que não é muito conhecido pelo grande público.
    L. M. - Até porque ele mesmo, o Manoel de Barros, é uma pessoa muito recatada. De vez em quando ele sai, vai ao Rio de Janeiro, mas com muito sacrifício. Provo isso porque já estivemos junto algumas vezes e ele disse: “Pô, não sou de sair de casa. Quero ficar no meu Pantanal, aqui sossegado...”. Mas, tive essa felicidade, essa ousadia também de gravar um poema do Manoel de Barros, de quem já li muitos livros. Gosto dele, acho fantástico o Manoel de Barros, um gênio.
    C & C – O que o Manoel de Barros achou da música?
    L. M. - Parece que ele gostou para caramba e deu nota dez. Fiquei muito maravilhado com isso.
    C & C - Você já tinha musicado poemas de outros poetas?
    L. M. - Não, não... Engraçado que o Manoel de Barros foi o único que me inspirou, até porque as letras dele, não sei por que, têm algumas lembranças de coisas que já escrevi em discos passados. Espero que essa ligação com Manoel de Barros dure, pois quero musicar mais coisas dele.
    C & C - Que outras músicas você destacaria do CD Retrato do artista quando coisa?
    L. M. – Eu destacaria “Brinde”, um jazz que fizemos com Ricardo Augusto, um compositor baiano com quem há muito tempo a gente faz música, já temos bastantes composições juntos. É uma música que admiro e das que mais curto desse disco. Ela é bem romântica, bem doce e singela. Já em “Esse filme eu já vi”, música que a Cássia Eller também gravou, fiz um outro arranjo, procurando dar uma idéia bem nordestina, misturado com guitarras.
    C & C - A capa do seu disco novo causa bastante impacto. Ela dá uma idéia bem primitiva, remetendo à selva com os troncos e o colorido de terra ao fundo. De quem foi a idéia de fazer essa capa?
    L. M. - A idéia foi minha. Queria fazem uma cosia bem primitiva, como vim à terra, como vim à vida, assim... nu. Mas, ao mesmo tempo, com alguns traços e algumas pinturas no meu rosto criadas pelo Hélio Tatum . Depois fiz algumas poses para ficar uma coisa também artística e inusitada. Acho que tinha a ver essa combinação com o nome do disco, algo que não chocasse, mas que tivesse um atrativo.
    C & C - Você faz alguma ligação da capa do disco com as músicas dele?
    L. M. - Não tem nada a ver (risos). Uma coisa é uma coisa e outra é o conteúdo.
    C & C - É uma coisa mais de marketing...
    L. M. - Pode ser (risos)... Você é que está dizendo... (risos).
    C & C - Para finalizar, o Estácio continua sendo sua eterna fonte de inspiração?
    L. M. - Ah... sempre, o Estácio foi o lugar onde nasci. Sempre estou lá visitando os meu amigos ou quando tem festa de aniversário de algum amigo. Quando posso, sempre vou almoçar aos domingos com as minhas irmãs ou vou assistir um futebol pela televisão. Lá é meu quintal, ainda...
    C & C – Falando em futebol, para que time você torce?
    L. M. - Torço pelo Vasco, sou vascaíno doente (risos).
    C & C – Aproveitando, que você acha do Eurico Miranda?
    L. M. - O Eurico Miranda é um naufrágio desse nosso futebol brasileiro. Sou vascaíno, mas quero um futebol, um espetáculo mais digno para todo mundo, para que as famílias possam ir aos estádios, para que você possa confiar no que está acontecendo nos bastidores, para que você possa ter segurança de um bom futebol. Acredito que possamos reverter esse cenário e afastar todos esses caras que são negativos do nosso futebol.
    Texto publicado originalmente na revista Churrasco & Churrascarias , São Paulo, pp.10/2, 2002.