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  • A LDB e as Diretrizes de Jornalismo:
    Elementos para uma discussão

    A Educação no Brasil é regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Lei Nº 9.394), sancionada em 23 de dezembro de 1996 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, depois de haver tramitado desde 1988, ano da promulgação da atual Constituição Brasileira. Essa Lei veio substituir a antiga Lei de Diretrizes e Bases, que estava em vigor desde 1961, tendo sido modificada pela lei 5.692 de 1971 .

    A LDB, como reguladora de toda e Educação no Brasil, apresenta de maneira geral os parâmetros que devem ser seguidos por todos os cursos em vigor no País, da Educação Infantil à Superior, além de fornecer as bases nas quais o ensino deve ser fundamentado, seguindo as diretrizes específicas de cada curso. Segundo a jornalista e professora Graça Caldas, a LDB “permite, finalmente, acabar com as amarras do currículo mínimo determinado pelo Ministério da Educação e possibilita às instituições de ensino superior autonomia plena na elaboração de seus conteúdos programáticos” (*). Depois de aprovada a Lei, deu-se início ao trabalho das comissões criadas com o mister específico de elaborar as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), as quais passaram a regular todos os cursos em nível superior, fundamentalmente na formulação do seu projeto pedagógico. Antes das DCN os cursos eram regulamentados por um currículo mínimo seguido pelas instituições de ensino superior para formatar suas grades curriculares.

    O curso de Jornalismo não possui Diretrizes próprias, pois se trata de uma das habilitações da Comunicação Social, que engloba as habilitações de Cinema, Publicidade e Propaganda, Relações Públicas, Editoração e Rádio. Quando foi iniciado o debate para a elaboração das DCN, tentou-se a criação de uma comissão específica para Jornalismo, visando o seu desmembramento, tornando-o um curso independente das outras habilitações da área. Mas o Conselho Nacional de Educação vetou a iniciativa dos profissionais da área, continuando o Jornalismo vinculado à Comunicação Social. Aqui trataremos apenas da habilitação em Jornalismo, não entrando em considerações teóricas ou metodológicas sobre as demais habilitações. Apesar das DCN de Comunicação Social existirem há quase quatro anos, foram regulamentadas apenas em 2001, por despacho do Ministro Paulo Renato, publicado no Diário Oficial da União em 09 de julho.

    Pressupostos da LDB - A finalidade da Educação Superior é tratada na LDB em seu artigo 43, que define o comportamento e a maneira pela qual os cursos superiores devem se pautar. Vejamos:

    “Art. 43 A educação superior tem por finalidade:

    I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;

    II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;

    III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive;

    IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;

    V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;

    VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;

    VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.” (**)

    Como podemos perceber, todos esses itens são bastante generalistas , servem tanto para as ciências humanas como para as exatas e as biológicas e não criam nenhuma especificidade para qualquer área do saber. A partir desse conjunto de tópicos genéricos, foram elaboradas as DCN que, apesar de específicas para cada curso, também não levaram em conta as diferenciações regionais de um país continental como o nosso e suas variadas riquezas culturais e educacionais.

    Diretrizes de Comunicação Social - Segundo as Diretrizes para a área de Comunicação Social, de acordo com a Resolução CNE/CES 16, de 13 de março de 2002, da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, o projeto pedagógico dos cursos de Comunicação Social e suas habilitações, no seu aspecto de formação profissional, deverá trazer explícito o seguinte:

    “a) o perfil comum e os perfis específicos por habilitação;

    b) as competências e habilidades gerais e específicas por habilitação a serem desenvolvidas durante o período de formação;

    c) os conteúdos básicos relacionados à parte comum e às diferentes habilitações e os conteúdos específicos escolhidos pela instituição para organizar o seu currículo pleno;

    d) as características dos estágios;

    e) as atividades complementares e respectiva carga horária;

    f) a estrutura do curso;

    g) as formas de acompanhamento e avaliação da formação ministrada.” (***)

    Essas sete alíneas da Resolução são, na verdade, uma síntese das DCN para a Comunicação Social. Parece-nos que no bojo de cada um desses itens está apontado tudo o que se espera dos cursos de Comunicação Social em todas as escolas brasileiras que oferecem uma ou mais de suas seis habilitações. Devemos salientar que a DCN dá uma grande liberdade para que as instituições de ensino criem a sua grade curricular da maneira que melhor lhes convier , respeitando apenas as grandes linhas básicas apontadas pelas Diretrizes.

    Questões pertinentes - Destacado esse aspecto positivo, depois que as DCN de Comunicação Social entraram em vigor, uma série de questões vêm sendo levantadas sobre elas tanto na sua formulação, quanto em sua aplicabilidade. Por exemplo, uma das indagações é sobre quais são os pressupostos teóricos educacionais que as sustentam. Outro aspecto instigante é se essas diretrizes apontam para o reconhecimento de saberes. E, ainda, as diretrizes curriculares de jornalismo atendem às necessidades dos formados como futuros profissionais? E, finalmente, os cursos de Comunicação Social estão seguindo a contento as DCN? Todos essas questões dão elementos para a continuação ou ampliação de um debate sobre as Diretrizes Curriculares de Comunicação Social. Dentro desse espírito, em uma rápida entrevista, via internet, o professor José Salvador Faro, membro da Comissão de Especialistas de Ensino de Comunicação do MEC, respondeu as questões elencadas e fez algumas considerações que contribuem para o entendimento da mecânica que rege a dicotomia entre os cursos de Jornalismo e as Diretrizes.

    Pressupostos - Quanto à primeira questão levantada sobre os pressupostos teóricos educacionais que sustentam as Diretrizes, o professor J.S. Far o diz que "o primeiro pressuposto é o da autonomia curricular de cada instituição, naturalmente respeitados os 'parâmetros' das diretrizes". Segundo Faro, a resolução 2/84, que vigorou até 1996, trazia "uma rigidez incompatível com os avanços teóricos e práticos verificados na área profissional, razão pela qual as diretrizes acabaram permitindo que os projetos pedagógicos pudessem ser mais ousados e experimentais". Já no que se refere a concepção das diretrizes, o professor aponta que elas partiram de "dois níveis de associação: o do campo do conhecimento comunicacional e o da epistemologia do jornalismo, naturalmente sob a percepção do caráter indissociável da teoria e da prática. Por último: uma forte definição dos pressupostos ético-políticos da atividade profissional".

    Reconhecimento de saberes - Do nosso ponto de vista, essa questão nunca é aprofundada suficientemente nos cursos de Comunicação Social. Há sempre, ou pelo menos na maioria das vezes, a perspectiva de que o corpo discente não está apto a antecipar etapas no seu processo de aprendizagem. No entender do professor Faro "se o reconhecimento significa o elenco de matérias e disciplinas, a resposta é não". Ele ressalta que "as diretrizes apenas acenam para isso, já que o reconhecimento dos vários campos do saber seriam identificados pela natureza do projeto pedagógico do curso - e a instituição tem liberdade para fazer isso". Faro acrescenta que "se a questão diz respeito a áreas do conhecimento, certamente as diretrizes especificam os grandes 'blocos' em torno dos quais a formação do jornalista se dá. Por exemplo: política, ética, economia, atualidades, especificidade de linguagens".

    Necessidades dos futuros profissionais - Outra questão que tem ganhado espaço nas discussões sobre as diretrizes curriculares, é se elas estão atendendo as necessidades dos formados como futuros profissionais do Jornalismo. O professor Faro acredita que sim, mas ressalva não acreditar que "a massa crítica que compõe as escolas de comunicação tenha conseguido compreender o alcance da experimentação curricular". Acrescenta que "passados três anos da aprovação das diretrizes, o que se observa hoje é um significativo conservadorismo pedagógico, muito aquém dos desafios da profissão - no campo teórico e no campo prático". Essa afirmação aponta para o desafio e a responsabilidade das escolas de comunicação de estarem mais atentas à realidade brasileira, dando respostas às necessidades não só do mercado, mas também da nossa sociedade, fazendo cumprir o papel social do jornalista e da profissão.

    As diretrizes e os cursos de Jornalismo - Frente a essas questões caberia a pergunta : há necessidade de se fazer alguma alteração nas diretrizes para melhorar os cursos de Jornalismo? Sobre isso o professor J.S. Faro é enfático e esclarece que "a filosofia que orientou a proposta das diretrizes curriculares ainda precisa ser 'digerida' pelos cursos e pelo mercado de trabalho", pois “está à frente das práticas educacionais existentes hoje".

    Frente a tudo isso surge outras questões. Será que não haveria a necessidade de reformulação das DCN, pois o seu aspecto generalista não contempla as especificidades regionais? Além disso, com as atuais exigências do mercado, é compatível englobar em um perfil comum egressos de diferentes áreas de atuação, como um cineasta e um relações públicas junto com um jornalista? Modestamente, está reaberto o debate.

    Notas

    (*) - Em www.observatoriodaimprensa.com.br

    (**) - Lei nº 9.394 - Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 20/12/96.

    (***) Resolução CNE/CES 16, de 13/03/02, no Diário Oficial da União, Brasília, em 09/04/02.

    Texto publicado originalmente na revista Nexos – Estudos em Comunicação e Educação, Ed. Anhembi-Morumbi – Ano VII – nº 10 – 2003 – São Paulo – SP.